domingo, 30 de novembro de 2014

Um profeta falou...

Palavras de quem vê na perspectiva do Eterno, com a serenidade de quem crê no Cristo, Senhor da História:

“Da crise atual surgirá uma Igreja que terá perdido muito. Tornar-se-á pequena e deverá recomeçar mais ou menos dos inícios.

Não será mais capaz de ocupar os edifícios que construiu nos tempos de prosperidade.
Com a diminuição dos seus fieis, perderá também grande parte dos privilégios sociais.
Recomeçará de pequenos grupos, de movimentos e de uma minoria que recolocará a fé no centro da experiência.
Será uma Igreja mais espiritual, que não se arrogará uma função política, flertando ora com a direita ora com a esquerda. Será pobre e tornar-se-á a Igreja dos indigentes. 

Então, as pessoas verão aquele pequeno rebanho de crentes como algo de totalmente novo: descobri-lo-ão como uma esperança para si mesmas, como a resposta que tinham sempre procurado em segredo...” (Joseph Ratzinger, em 1969)

Pensamentos sobre a antífona de Missa que abre o Advento

“A Vós, meu Deus, elevo a minha alma. Confio em Vós, que eu não seja envergonhado! Não se riam de mim meus inimigos, pois não será desiludido quem em Vós espera” (Sl 24,1-3). 

Ah, a Liturgia!
Que lições, que intuições, que sentimentos inexprimíveis de tão ricos, ela nos faz experimentar!

As palavras acima, do Salmo 24, são a antífona de entrada (o Intróito) da Missa do primeiro Domingo do Advento.

Pare e pense um pouco, antes de continuar a leitura... Tente descobrir sozinho: o que estas palavras têm a ver com o Advento e com o Natal? Por que a Igreja as colocou aí? Pense um pouco...
A Liturgia só pode ser saboreada se a gente aprender a pensar com o coração...

Observe bem: o Advento é tempo de preparar a celebração da Vinda do Senhor em Belém e de preparar-se para a Vinda Dele na Parusia, na Glória final. Por isso, mesmo a primeira palavra da antífona é fortíssima: “A vós, Senhor, elevo a minha alma!”
É o fiel, é a humanidade, que tira o olhar do próprio umbigo, da própria auto-suficiência, e, reconhecendo-se pobre, eleva a alma, a vida ao Senhor, esperando Dele a salvação! Já aqui, se coloca a atitude fundamental com a qual devemos viver o Advento: a espera vigilante, como a amada que espera o amado, como a terra que espera o sol, como o vigia que espera a aurora...

Depois a antífona nos joga em cheio no drama da vida: quantos inimigos exteriores e interiores temos, quantas contradições, quantos perigos de cair, de perder o rumo, de fracassar na existência! Somo tão pobres, tão quebrados, tão frágeis... Tão incerto é nosso caminho sobre esta terra de exílio... “Confio em Vós, que eu não seja envergonhado! Não se riam de mim meus inimigos!”

Esta consciência da nossa miséria, esta percepção de que temos um coração de água, olhos de águia, mas umas asinhas curtas apenas como as de pardal é a condição essencial para nos descobrirmos pobres diante de Deus e, então, gritar: Senhor, vem salvar-nos! Senhor, precisamos de um Salvador! Vem! Sem Tua presença, a humanidade se perde, o homem se destrói, seremos sempre frustrados, seres fracassados no mais profundo de sua existência!
É isto que esta antífona comovente nos quer fazer compreender e experimentar.

Mas, observe como ela termina com a proclamação de uma certeza certa: “Não será desiludido quem em Vós espera”. Não será desiludido quem coloca sua esperança no Senhor, quem vigia esperando o Cristo que vem! Deus é fiel: mandou-nos o Seu Cristo e Ele estará para sempre em nosso meio!

Aquele que sabe reconhecer Sua presença e vive na Sua verdade, de esperança em esperança, não ficará envergonhado no Dia da Sua Manifestação gloriosa.

Lições assim, tão profundas, tão saborosas, tão verdadeiras, somente a Liturgia pode nos dar... Mas só para quem a respeita, deixa-se tomar por ela nos seus gestos, símbolos, palavras, expressões...
Quem dera que soubéssemos percebê-las e saboreá-las... Feliz Advento a todos!

I Domingo do Advento: Ah, se rasgasses os céus e descesses!

Is 63,16b-17.19b; 64,2b-7
Sl 79
1Cor 1,3-9
Mc 13,33-37

Iniciamos, hoje, com a graça do Cristo Jesus, Senhor do tempo e da eternidade, um novo ano litúrgico.
Contemporaneamente, começamos nosso caminho de Tempo do Advento, que nos ensina a preparar e desejar a Vinda do Senhor no Final dos Tempos e nos prepara para o santo Natal. O roxo, cor litúrgico destas quatro semanas, fala-nos de vigilância e de espera, espera que é esperança, pois Quem prometeu vir é fiel: não falhará. Na espera e na alegre vigilância, não cantaremos o “Glória” e enfeitaremos nossas igrejas com muita simplicidade: estamos de sobreaviso, estamos esperando: o Senhor Se aproxima!

As leituras deste primeiro Domingo são de uma intensidade enorme e nos jogam de cheio no clima próprio deste tempo: enquanto nos preparamos para o Natal, celebração da primeira vinda do Senhor, feito pobre na nossa humanidade, preparamo-nos também para a Sua Vinda gloriosa no final dos tempos. Três ideias nos chamam atenção na Palavra que ouvimos; três ideias que sintetizam maravilhosamente os sentimentos que devemos alimentar neste santo Advento.

Primeiro. Somos pobres; a humanidade toda, por mais soberba e autossuficiente que seja, é pobre, é pó! Violência, solidão, tantas feridas no coração, tanta falta de sentido para a existência, tanta descrença e superficialidade, tantas famílias destruídas, tantos corações vazios, tanta falta de paz... E o homem não se dá conta de que é pó, de que é insuficiente, de que sozinho não consegue se realizar, porque foi criado para uma Plenitude que somente um Outro, o Deus Santo, Bom, Imenso e Eterno, nos pode conceder.
Mas, nós cremos, caríssimos; nós devemos ser conscientes da nossa pobreza e da pobreza da humanidade. Calha bem para nós o intenso lamento do Profeta Isaías: “Senhor, Tu és o nosso pai, nosso redentor! Como nos deixaste andar longe de Teus caminhos? Todos nós nos tornamos imundície, e todas as nossas boas obras são como um pano sujo; murchamos como folhas e nossas maldades empurram-nos como o vento. Não há quem invoque o Teu Nome, quem se levante para encontrar-se Contigo. Assim mesmo, Senhor, Tu és nosso pai, nós somos barro; Tu, nosso oleiro, e nós todos, obra de Tuas mãos”.
Tão atual, caríssimos, essa palavra da Escritura! Exprimem bem esta humanidade perdida, sem graça, que busca plenitude onde não há plenitude: na tecnologia, na ciência, no consumo, na droga, na satisfação dos próprios instintos e vontades...

Nós, cristãos, sabemos que nada neste mundo nos pode saciar. Também sentimos sede, também sentimos tantas vezes a dor de viver, mas nós sabemos de onde vem a paz, onde se encontra a verdade da vida, de onde vem a esperança.
Por isso pedimos, pensando no que veio no Natal e virá no Fim dos tempos: “Ah! Se rasgásseis os céus e descesses! As montanhas se desmanchariam diante de Ti! Nunca se ouviu dizer nem chegou aos ouvidos de ninguém, jamais olhos viram que um Deus, exceto Tu, tenha feito tanto pelos que Nele esperam!” Eis nosso brado de Advento: Somos pobres, somos insuficientes, não nos bastamos, não temos as condições de ser felizes com nossas próprias forças: Vem, Senhor Jesus! “A Vós, Senhor, elevo a minha alma! Confio em Vós, que eu não seja envergonhado! Não se riam de mim meus inimigos, pois não será desiludido quem em Vós espera” (Sl 24,1-3).

E aqui temos a segunda ideia desta Liturgia santa: diante de nossa pobreza, colocamos nossa esperança no Cristo Jesus; esperamos a Sua Vinda.
O cristão vive no mundo, mas sabe que caminha para a Pátria, para Casa, para Cristo! Na segunda leitura deste hoje, São Paulo nos recorda que não nos falta coisa alguma, não nos falta esperança, não nos falta o sentido da vida, não nos falta a consolação, porque aguardamos “a Revelação do Senhor nossos, Jesus Cristo. É Ele também que vos dará a perseverança em vosso procedimento irrepreensível, até ao fim, até ao Dia de nosso Senhor, Jesus Cristo”.
Caríssimos, a grande tentação para os cristãos de hoje é esquecer que estamos a caminho, que nossa pátria é o Céu. Num mundo da abundância de bens materiais, de comodismo, de consumismo, de busca das próprias vontades e dos prazeres, o perigo imenso é esquecer o Senhor que vem e que sacia o nosso coração.
Quantos de nós se distraem com o mundo, quantos que têm o nome de cristãos estão tão satisfeitos com os prazeres e curtições da vida!
Cristãos infiéis num mundo infiel; cristãos cansados num mundo cansado, cristãos superficiais e vazios num mundo superficial e vazio! E deveríamos ser luz, deveríamos ser sal, deveríamos ser profetas!

Finalmente, o terceiro ponto.
Conscientes da nossa insuficiência para sermos felizes sozinhos, com nossas próprias forças; conscientes de que somente no Cristo está nossa plenitude; certos de que Ele virá ao nosso encontro, devemos estar vigilantes, devemos viver vigilantes. Nesta casa chamada mundo, nós somos os porteiros, aqueles que esperam o Senhor chegar.
Escutai, irmãos, a advertência do nosso Senhor e Deus: “Cuidado! Ficai tentos, porque não sabeis quando chegará o momento. É como um homem que partiu e mandou o porteiro ficar vigiando. Vigiai, portanto, para que não suceda que, vindo de repente, ele vos encontre dormindo. O que vos digo, digo a todos: Vigiai!”

Amados em Cristo, o Senhor nos manda vigiar!
Vigiemos pela oração,
vigiemos pela prática dos sacramentos,
vigiemos pelas boas obras,
vigiemos pela vida fraterna,
vigiemos pelo combate aos vícios,
vigiemos pelo cuidado para com os pobres.
Vigia à espera de Cristo quem rejeita as obras das trevas!
“O que vos digo, digo a todos: Vigiai!”

Mais uma vez, a misericórdia de Deus nos dá um tempo tão belo e santo quanto o Advento para pensarmos na vida, para levantar os olhos ao Céu e suspirar pela plenitude para a qual o Senhor nos criou.

Não vivamos desatentamente este tempo santo Irmãos, irmãs, o Senhor vem: preparemo-nos para Ele! Amém.

domingo, 23 de novembro de 2014

XXXIV Domingo Comum: o Cristo Rei

Ez 34,1-12.15-17
Sl 22
1Cor 15,20-16.28
Mt 25,31-46

Neste último Domingo do Ano Litúrgico, a Igreja nos apresenta Jesus Cristo como Rei do universo. O Evangelho no-Lo mostra cercado de anjos, sentado num trono de glória para o julgamento final da história e da humanidade toda. Ele é Rei-Juiz, é o critério da verdade e da mentira, do bem e do mal, da vida e da morte.
Por mais que a humanidade queira fazer a verdade do seu modo, distorça o bem em mal e o mal em bem e procure a vida onde não há vida verdadeira, vida plena, somente em Jesus Cristo tudo aparecerá, um Dia - no Seu Dia - na sua justa realidade. Nós cremos com toda firmeza que a criação toda, a história toda e a vida de cada um de nós caminham para o Cristo e por Ele serão passadas a limpo, nele serão julgada! Ele é Rei-Juiz: ao final “todas as coisas estarão submetidas a Ele”. Fora Dele não haverá salvação, nem esperança nem vida.

Mas, se Cristo Jesus é nosso Rei-juiz, isto se deve ao fato de primeiramente ser nosso rei-Pastor, Aquele que dá a vida pelas ovelhas.
Ele é “o que foi imolado”, o mesmo que, com ânsia e cuidado procura Suas ovelhas dispersas, toma conta do rebanho, cuida da ovelha doente e vigia e vela em favor da ovelha gorda e forte.

Eis o nosso Juiz, eis o juiz da humanidade: Aquele ferido de amor por nós, Aquele que por nós deu a vida, Aquele que se fez um de nós, colocando-Se no nosso meio!

Atualmente, a nossa civilização ocidental perdeu quase que de modo total a consciência da realeza de Cristo. Dizem hoje, cheios de orgulho: o homem é rei. Gritam: “Não queremos que este Jesus reine sobre nós! Não queremos que nos diga o que fazer, como viver; não aceitamos limites do certo e do errado, do bem e do mal, do moral e do moral... A não ser os nossos próprios limites. E, para nós, não há limites!”

Eis o pecado original, a arrogância fundamental da humanidade atual. Nunca fomos tão prepotentes quanto agora; nunca tão iludidos e enganados como atualmente! E, mais impressionante ainda: muitos cristãos, sutilmente, vão trocando a realeza de Cristo, a medida de Cristo, pela realeza do mundo, a medida do mundo! Como é tão grande, como é tão atual, como é tão séria a tentação de fazer das demandas do mundo e não das exigências de Cristo-Rei o critério da nossa fé e da nossa vida!

E, no entanto, Cristo é Rei, o único Rei verdadeiro, cujo Reino jamais passará.
Mas esse Rei nos escandaliza também a nós, cristãos. É que Ele não é um rei mundano, estribado na vã demonstração de poder, de glória, de imposição. Não! Ele é o Rei-Pastor que se fez Rei-Cordeiro manso e humilde imolado por nós. Por isso “é digno de receber o poder, a divindade, a sabedoria, a força e a honra. A Ele o poder pelos séculos”.

A grandeza e o poder do Senhor neste mundo não se manifestarão na grandeza, mas nas coisas pequenas, na fragilidade do amor, daquele amor que na cruz apareceu como capaz de entregar a vida pelos irmãos.

Gostaríamos de um Cristo-Rei na medida das nossas vãs grandezas...
Gostaríamos de uma Igreja forte, aplaudida, elogiada, reverenciada, de bem com o mundo, nas boas graças da mídia, por ela compreendida, aprovada, aplaudida...

Mas, não! A Igreja, continuadora na história do mistério salvífico de Cristo, se for realmente fiel, tem de participar do escândalo do Seu Senhor. As ovelhas ouvem a voz do Rei-Pastor; os cabritos não a escutarão jamais: são rebeldes, inquietos, desobedientes, autossuficientes! Entre as ovelhas e os cabritos, entre os discípulos e os incrédulos, há o juízo de Cristo! A incompreensão que o mundo tem em relação ao Cristo Senhor e Seu Reino, transforma-se em incompreensão para com o que a Igreja anuncia e defende e procura viver! Isto faz parte das dores do Reino do Senhor – Ele mesmo nos avisou tantas vezes!

Faz parte do mistério do Reino a pobreza de Cristo, a mansidão de Cristo, a derrota de Cristo na cruz, o silêncio de Cristo, a morte de Cristo.
E tudo isso tem que está presente também a vida da Igreja e na nossa vida! Como nos exorta São Paulo: “Lembra-te de Jesus Cristo, ressuscitado dentre os mortos. Fiel é esta palavra: Se com Ele morremos, com Ele viveremos. Se com Ele sofremos, com Ele reinaremos” (2Tm 2,8.11).

Eis, pois, caríssimos no Senhor! Celebremos hoje a realeza de Cristo, dispondo-nos a participar da Sua cruz.
Na Igreja, no Reino de Deus, reinar é servir. Sirvamos, com Cristo, como Cristo e por amor de Cristo! No Evangelho desta Solenidade, o critério para participar do Reinado do Senhor Jesus é tê-Lo servido nos irmãos: no pobre, no despido, no doente, no prisioneiro, no fraco. Que Reino, o de Cristo! Manifesta-se nas coisas pequenas, nas pequenas sementes, nos pequenos gestos, no amor dado e recebido com pureza cada dia.

Na verdade, segundo os Santos Padres da Igreja, o Reino de Cristo, o Reino que Ele entregará ao Pai, somos nós; nós, que fizemos como Ele fez, lavando os pés do mundo e servindo ao mundo a única coisa que realmente compensa: a amor de Cristo, a verdade de Cristo, o Evangelho de Cristo, o exemplo de Cristo, a salvação de Cristo, a vida de Cristo, para que o mundo participe eternamente do Reino de Cristo!

Caríssimos no Senhor, despojemo-nos de todo pensamento mundano sobre reis, reinos e coroas. Fixemos nosso olhar no trono da cruz, Naquele que ali se encontra despido e coroado de espinhos. Aprendamos com admiração, estupor e gratidão que nossa mais gloriosa herança neste mundo é participar do Seu reinado, levando a humanidade a descobrir quão diferentes dos seus são os critérios de Deus. Quando aprendermos isso, quando a humanidade aprender isso, o Reino entrará no mundo e o mundo entrará no Reino, Reino de Cristo, Reino de verdade e de vida, Reino de santidade e de graça, Reino da justiça, do amor e da paz.

Domine, adveniat Regnum tuum! – Senhor, venha o Teu Reino! Amém. 

sábado, 15 de novembro de 2014

XXXIII Domingo Comum: a vida, um talento que nos foi dado

Pr 31,10-13.19-20.30-31
Sl 127
1Ts 5,1-5
Mt 25,14-30

De um modo ou de outro, a Palavra do Senhor sempre nos fala da vida, nos revela o sentido, nos mostra o caminho. Hoje, o Cristo Senhor nos apresenta a existência como um punhado de talentos, de dons, de oportunidades que a providência gratuita e misteriosa de Deus colocou em nossas mãos para que façamos frutificar.

Certamente, jamais compreenderemos por que nascemos desse modo ou somos daquele outro. A vida é um mistério tremendo, Irmãos; tão tremendo, que o Salmista geme, entre admirado e oprimido: “Ainda embrião Teus olhos me viram e tudo estava escrito no Teu livro; meus dias estava marcados antes que chegasse o primeiro. Como são profundos para mim Teus pensamentos, como são grandes seu número, ó Deus!” (Sl 139/138,16s) Podemos, no entanto, ter a certeza de que o Senhor nos deu uma vida, "a cada um de acordo com a sua capacidade".

Ora, é esta vida, dom de Deus, fruto de um desígnio de amor sem fim, que cada um de nós deve responsavelmente cultivar e fazer frutificar em benefício nosso de dos irmãos. Na mulher forte e industriosa da primeira leitura, aparece um exemplo de alguém que não se contenta simplesmente em passar pela vida, mas vai tecendo o fio da existência com as pequenas fidelidades de cada dia: como essa mulher da leitura, devemos nós, tornar nossa vida fecunda de bem, fecunda de serviço a Deus e aos irmãos. Do mesmo modo, a segunda leitura chama-nos atenção para o fato que nos serão pedidas contas da vida, dom recebido de Deus. Daí, o conselho: "Não durmamos, como os outros, mas sejamos vigilantes e sóbrios".

Caríssimos, uma das grandes tentações do mundo atual é pensar que a existência é nossa de modo absoluto, como se cada um de nós se tivesse criado a si próprio, dado a si próprio a existência. Fechados em si próprios, os homens pensam que podem ser felizes construindo a vida de seu próprio modo, à medida de suas próprias ideias, medidas e objetivos. Ilusão! A vida é dom de Deus e somente nos faz felizes se dela fizermos um diálogo amoroso com o Senhor, Autor e Doador de nosso ser. Mais que talentos na vida, o Senhor nos concedeu a própria vida como um precioso talento! Desenvolvê-lo e ser feliz e buscar não a nossa própria satisfação, não nossa própria medida, não nosso próprio caminho, mas fazer da existência uma busca amorosa e cheia de generosidade da vontade de Deus.
Eis! Somente seremos felizes e maduros quando tivermos a capacidade de arriscar verdadeiramente nos perder, nos deixar para nos encontrar no Senhor, alicerce e fonte de nossa vida. Eis o verdadeiro investimento!

Infelizmente, a dinâmica do mundo hodierno, pagão e ateu, não no ajuda nessa direção. Há distração demais, novidade demais, produto demais a ser consumido; há preocupação demais com uma felicidade compreendida como satisfação de nossos desejos, carências e vontades. Há consciência de menos de que a vida é dom e serviço, doação e abertura para o Infinito; há percepção de menos de que aqui estamos de passagem e de que lá, junto ao Senhor, é que permaneceremos para sempre. Atolamo-nos de tal modo nos afazeres da vida, no corre-corre de nossas atividades, no esforço por satisfazer nossas vontades, na busca de nossa autoafirmação, que perdemos a capacidade de compreender realmente que somos passageiros e viandantes numa existência breve e fugaz que somente valerá a pena será vivida na verdade se for compreendida como abertura para o Senhor e, por amor a ele, abertura generosa e servidora para os outros.

Amados, estejamos atentos à advertência do Apóstolo: "Vós, meus irmãos, não estais nas trevas, de modo que esse dia vos surpreenda como um ladrão. Todos vós sois filhos da luz e filhos do dia" O Dia é Cristo, a Luz é Cristo. Viver na luz, viver no dia é viver na perspectiva de Cristo Jesus, é valorizar o que Ele valoriza e desprezar o que Ele despreza. Filhos da Luz, filhos do Dia, do Dia eterno – eis o que deveríamos ser! Deveríamos viver os dias da nossa vida iluminando-os com a esperança do Dia eterno, que levará à consumação e à plenitude os dias fugazes de nossa existência! Mas, com tanta frequência nossa mente e nosso coração, nossos pensamentos e nossos afetos encontram-se entenebrecidos como o dos pagãos... Quão grave para nós, porque conhecemos a Luz, que cremos no Dia que é o Cristo-Deus!

Não nos iludamos, não façamos de conta que não sabemos: todos haveremos de dar contas a Deus de nossa existência, do sentido que lhe demos, daquilo que nela construímos. Queira Deus que nossa vida seja como a do Cristo Jesus: uma verdadeira e amorosa abertura para Deus e uma abertura para os outros! Queira Deus que consigamos, iluminados pela Sua Palavra, nutridos pela Sua Eucaristia e animados pela oração diária, viver nossa existência na perspectiva de Deus, de tal modo que vivamos, vivamos de verdade, vivamos em abundância, vivamos uma vida que valha a pena!


Que o Senhor no-lo conceda pela Sua graça. Amém.

Dedicação da Basílica do Latrão

Ez 47,1-2.8-9.12
Sl 45
1Cor 3,9c-11.16-17
Jo 2,13-22

Quando uma festa litúrgica em honra do Cristo ocorre no Domingo, ela se torna solenidade. É o caso de hoje: a Dedicação da Basílica do Latrão, Catedral do Papa, Bispo de Roma.
No século IV o Imperador Constantino doou esse grande edifício ao Papa são Silvestre I, que o consagrou, dedicando-o a Deus como Catedral de Roma. A nova Catedral foi dedicada ao Divino Salvador e, mais tarde, também aos santos João Batista e João Evangelista. Como se localiza numa antiga chácara da nobre família romana dos Laterani, foi chamada popularmente de São João do Latrão. Pois bem, a presente solenidade traz-nos è mente e ao coração três aspectos da nossa fé.

Primeiro. Todo templo cristão dedicado a Deus é imagem do próprio Cristo: Ele, no Seu corpo ressuscitado, é o verdadeiro templo, do qual o Templo de Jerusalém era apenas uma imagem e profecia: “Destruí este Templo e em três dias Eu o levantarei... Mas Jesus estava falando do templo do Seu corpo”.
É do corpo ressuscitado do Senhor, verdadeiro templo, que brota a água da vida, a água, que é símbolo do Espírito Santo. É a esta realidade tão bela e misteriosa que alude a leitura de Ezequiel: “A água corria do lado direito do Templo... Estas águas correm para a região oriental, desembocam nas águas salgadas do mar e elas se tornarão saudáveis. Haverá vida onde o rio chegar. Nas margens do rio crescerá toda espécie de árvores frutíferas... que servirão de alimento e suas folhas serão remédio”. A imagem é bela, rica, intensa: a água que brota do lado direito do Cristo transpassado é o Espírito Santo, dado pelo Senhor à Igreja e à humanidade, para que Nele tenhamos a cura dos nossos pecados e a vida em abundância!
Por tudo isso, veneramos e respeitamos nossos templos: eles são imagem do próprio corpo ressuscitado de Cristo, fonte do Espírito e lugar de encontro com o Pai. Por isso, toda igreja mais importante – as paroquiais e, sobretudo, as catedrais -, são dedicadas a Deus, como Cristo, que foi todo consagrado ao Pai. Atenção: nenhuma igreja é consagrada a algum santo: é sempre dediacada a Deus – só a Deus em honra de algum santo ou de algum mistério da vida humana de Jesus. Assim; a Deus em honra da Virgem Maria do Perpétuo Socorro, a Deus em honra de São Paulo, a Deus em honra do Bom Jesus dos Navegantes (um aspecto do mistério de Cristo: Sua bondade misericordiosa)...

Segundo. A Igreja é, primeiramente, a Comunidade: “Vós sois a construção de Deus. Acaso não sabeis que sois santuário de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós? O santuário de Deus é santo, e vós sois esse santuário!”
Nossos templos são chamados de “igreja” porque são casas da Igreja, espaço sagrado no qual a Igreja-Comunidade se reúne num só Espírito Santo para, unida ao Filho Jesus, elevar o louvor de glória ao Pai, sobretudo na Eucaristia. Assim, celebrar a dedicação de uma igreja-templo é recordar que nós somos Igreja-Comunidade, Corpo de Cristo, templo verdadeiro de Deus, pleno do Espírito Santo.
Santo Agostinho recordava: “A dedicação da casa de oração é festa da nossa comunidade. Mas, nós mesmos somos a Casa de Deus. Somos construídos neste mundo e seremos solenemente dedicados no fim dos tempos!” Nós – cada um de nós – somos pedras vivas, pedras vivificadas pelo Espírito, para formarmos um só edifício espiritual, isto é, um edifício no Espírito Santo. E este edifício é a Igreja, Corpo de Cristo e Templo do Espírito Santo.
Irmãos, a Igreja somos nós, a Igreja é cada um de nós, chamados a assumir nossa parte na edificação do Reino de Deus. Na Igreja, não somos espectadores; somos atores, somos participantes! Não nos omitamos, portanto; não recebamos a graça de Deus em vão! Tornamo-nos Igreja pelo Batismo, que nos fez membros do Corpo de Cristo, vamos nos robustecemos pela força do Espírito recebido na Crisma e, em cada Eucaristia, vamos nos tornando sempre mais corpo de Cristo, até sermos plenamente configurados com Ele na Glória. Então, não recebamos em vão tamanha graça! 

Terceiro. A Basílica do Latrão é a Catedral da Igreja de Roma, a Catedral do Papa. Na sua entrada há uma inscrição: “Mãe de todas as igrejas da Cidade e do mundo”.
Compreendamos! A Igreja de Roma (isto é, a Arquidiocese de Roma) é a Igreja de Pedro e de Paulo, é a Igreja que preside à todas as outras dioceses do mundo, é a mais venerável de todas as Igrejas da terra.
Santo Inácio de Antioquia referia-se a ela, lá pelo ano 97, com indizível veneração. Numa carta que endereçou aos cristãos romanos, o santo Bispo de Antioquia escrevia: “À Igreja objeto de misericórdia na magnificência do Pai altíssimo e de Jesus Cristo seu único Filho, amada e iluminada na vontade daquele que conduz à realização todas as coisas que existem, segundo a fé e o amor de Jesus Cristo nosso Deus, à mesma que também preside na região dos romanos, digna de Deus, digna de honra, digna da máxima beatitude, digna de louvor, digna de sucesso, digna de pureza e colocada acima das demais na caridade, que possui a lei de Cristo e o nome do Pai”...
O Papa, como Bispo de Roma, é cabeça do Colégio dos Bispos e sinal visível da unidade da Igreja na verdadeira e perene fé católica e na caridade, isto é, na comunhão entre todas as demais Igrejas diocesanas. É por isso que hoje nos unimos à Igreja de Roma na festa da Dedicação, da consagração da sua Catedral, a Basílica do Latrão.
A Catedral de cada diocese é a Igreja do Bispo, sucessor dos Apóstolos. Quanto mais importante é a Catedral do Bispo de Roma, sucessor de Pedro. Por isso, ela é considerada a “Mãe de todas as Igrejas da Cidade e do mundo”. Assim sendo, a festa de hoje convida-nos também a rezar pela Igreja de Deus que está em Roma e pelo seu Bispo, Francisco. Convida-nos a estreitar nossos laços com Roma e o Papa, retomando nossa consciência do papel que ele tem como Vigário de Pedro, a quem Cristo confiou sua Igreja.
Num mundo tão complexo, com tantas idéias, opiniões e modas, num cristianismo que vê surgir tantas seitas sem nenhum fundamento teológico, sem nenhuma seriedade, sem nenhum enraizamento na Tradição Apostólica, difundindo-se pela força do dinheiro e a conivência dos meios de comunicação, ávidos de lucro, fazendo um terrível mal à fé dos simples e desavisados – num mundo assim, reafirmemos nossa comunhão firme, profunda e convicta com a Igreja de Roma e seu Bispo, a quem o Cristo entregou de modo particular as chaves do Reino e deu a missão de confirmar na fé os irmãos. A comunhão com Roma é garantia de estar naquela comunhão que Cristo sonhou para a Sua Igreja; é garantia de permanecer na fé apostólica, transmitida uma vez por todas, é garantia de não cair num tipo de cristianismo alheio àquilo que o Senhor Jesus pensou e estabeleceu. Todo cristão e toda Igreja diocesana devem estar em comunhão com a Igreja de Roma e com o seu Bispo, o Papa. Quanto ao Papa e a Igreja de Roma, devem, por sua vez, serem guaridães fieis da fé católica uma vez por todas confiada aos santos!

Que a festa hodierna seja uma feliz ocasião para professar, na exultação e no louvor, a nossa fé católica, da qual nos ufanamos com humildade e na qual esperamos ser salvos. Amém.

domingo, 2 de novembro de 2014

A Comemoração dos fieis defuntos

Hoje, a Igreja recolhe-se em oração pelos seus filhos que já partiram desta vida.

Para os cristãos, não se trata de um simples dia de saudade, mas de oração pelos fiéis de Cristo que já partiram para a Casa do Pai na firme esperança da ressurreição.

Vêm à nossa mente e ao nosso coração tantas perguntas: Que é a morte? Que é a Vida que termina com a morte? O que há após a morte? São interrogações que devemos responder à luz da fé.

Num mundo que já não crê e não tem quase nada a dizer sobre a vida e sobre a morte, a Palavra de Deus nos ilumina: “Irmãos, não queremos que ignoreis o que se refere aos mortos, para não ficardes tristes como os outros, que não têm esperança” (1Ts 4,13).

O cristão não pode encarar a morte como os pagãos; nós temos uma esperança, e ela se chama Jesus Cristo, Aquele que disse “Eu sou a Ressurreição, Eu sou a Vida” (Jo 11,25)!

Recordemos algumas certezas fundamentais da nossa fé:

(1) Deus é Vida, criou tudo para a Vida.
Ele não é o autor da Morte, não entende nada de Morte, não tem parte com a Morte (cf. Sb 1,13-15). Pelo contrário, a morte é a separação do Deus Vivente e Vivificador, como as trevas são a separação da luz do sol. “Deus criou o homem para a incorruptibilidade e o fez imagem de Sua própria natureza; foi por inveja do Diabo que a Morte entrou no mundo: experimentam-na aqueles que lhe pertencem” (Sb 2,23s).

Deus pensou para nós somente o bem e a felicidade com Ele!
O homem, ao fechar-se desde o princípio, para o Deus da vida, desarrumou-se, desaprumou-se e passou a experimentar sua vida como uma morte: desequilíbrio, dor, egoísmo, solidão, medo, doença, falta de sentido e, finalmente, a morte física...

O salário do nosso pecado foi uma situação de morte, de infelicidade, de incoerência e tristeza, que culmina com a morte física. Basta olhar o mundo ao nosso redor!

(2) Isto não significa que, se não tivéssemos pecado, viveríamos aqui para sempre. Deus não nos criou para vivermos aqui indeterminadamente:
“O Senhor tirou o homem da terra e a ela faz voltar novamente. Deu aos homens número preciso de dias e tempo determinado” (Eclo 17,1s). Compreendeis? Deus nos deu um número preciso de dias, um tempo de vida.

Mas, uma coisa é certa: sem o pecado, vivendo na amizade com Deus e na harmonia com os outros e o mundo, nossa morte não teria o gosto amargo de Morte. Se hoje a morte tem um aspecto trágico, é porque está ligada ao pecado, ao nosso afastamento de Deus. Por isso a morte nos mete medo e, muitas vezes, é sentida como uma ameaça de cair no nada.

(3) Mas, Deus não nos abandonou à Morte: Ele nos enviou o Seu Filho, em tudo igual a nós, menos no pecado.
Ele tomou sobre si as nossas dores, viveu nossa vida mortal, de incertezas, de tristezas, de angústias, de morte.
Morrendo de nossa morte, Ele foi ressuscitado pelo Pai na força do Espírito Santo.
Morrendo da nossa morte, Ele nos deu a possibilidade e a graça de morrer como Ele e com Ele ressuscitar da morte: “Eu sou a ressurreição! Quem crê em Mim, ainda que esteja morto viverá!” (Jo 11,25).

Desde o Batismo, unidos a Cristo morto e ressuscitado, alimentados pelo Seu Corpo e Sangue na Eucaristia, sabemos que “nem a morte nem a vida nem criatura alguma nos poderá separar do amor de Cristo” (Rm 8,38s).

Esta é a nossa esperança: vivermos unidos a Cristo já agora e, após a nossa morte, ressuscitar Nele e com Ele, Nele e como Ele!

Como o Senhor foi glorificado no Seu corpo e na Sua alma pela potência do Espírito Santo, assim também nós seremos glorificados: logo após a nossa morte, na nossa alma, nunca mais sentiremos o medo, a tristeza, a dor, o pranto... E, no fim dos tempos, também no nosso corpo mortal seremos glorificados: “semeado corruptível, ressuscitará corpo incorruptível; semeado desprezível, ressuscitará reluzente de glória; semeado na fraqueza, ressuscita cheio de força; semeado psíquico, ressuscita corpo espiritual” (1Cor 15,42-44).

Sermos glorificados significa entrar na plenitude de Cristo, na alegria de Cristo, na eternidade de Cristo! Isto, para nós, é o Paraíso: estar para sempre com o Senhor!

Amados Irmãos, rezemos hoje pelos nossos queridos que já morreram; rezemos por todos os fiéis que já partiram para o Cristo: que recebam o perdão de seus pecados e entrem na plenitude de Deus.

A Sagrada Escritura diz que “é um santo e piedoso pensamento rezar pelos mortos, para que sejam livres de seus pecados” (2Mc 12,46). Que nosso carinho e nossa saudade sejam acompanhados pela nossa piedosa oração, cheia de esperança na ressurreição.

Mas, pensemos também na nossa vida, no destino que estamos dando à nossa existência, pois nosso encontro com o Senhor é preparado no dia-a-dia, nos pequenos momentos de nosso caminho neste mundo.
São Bernardo de Claraval afirmava que nossa vida neste mundo é semente da Eternidade. Pois bem! Estejamos atentos para viver de tal modo, que nossa vida seja uma amizade com Deus que começa aqui e se consumará na Glória!

Voltemos nosso olhar e nosso pensamento para Cristo, Vencedor da nossa Morte. As palavras do Prefácio da missa de hoje são tão consoladoras: Em Cristo “brilhou para nós a esperança da feliz ressurreição. E, aos que a certeza da morte entristece, a promessa da imortalidade consola. Senhor, para os que crêem em Vós, a vida não é tirada, mas transformada. E, desfeito o nosso corpo mortal, nos é dado nos céus, um corpo imperecível”.

Que o Senhor realize a nossa esperança e que nós vivamos de tal modo, que sejamos dignos dela!

Descanso eterno dai-lhes, Senhor!
Da luz perpétua, o resplendor!
Que suas almas descansem em paz.

Assim seja!

Todos os Santificados em Cristo

Hoje, a Igreja volta seu olhar e seu coração para o céu e enche-se de alegria ao contemplar uma multidão que participa da glória e da plenitude do Deus Santo.

A nossa fé nos ensina que somente Deus é Santo. Na Bíblia, "santo" significa, literalmente, "separado". Deus é aquele que é separado, absolutamente diferente de tudo quanto exista no céu e na terra: Ele é único, Ele é absoluto, Ele sozinho se basta, sozinho é pleno, sozinho é infinitamente feliz. Ele é Deus! Por isso, Santo, em sentido absoluto, é somente o Deus uno e trino, Pai, Filho e Espírito Santo.

A Jesus, o Filho eterno feito homem, nós proclamamos em cada missa: "Só Vós sois o Santo"; ao Pai nós dizemos: "Na verdade, ó Pai, Vós sois Santo e fonte de toda santidade"; ao Espírito nós chamamos de Santo.

Mas, a nossa fé também nos ensina que este Deus santo e pleno, dobra-Se carinhosamente sobre a humanidade – sobre cada um de nós - para nos dar a Sua própria Vida, para nos fazer participantes de Sua própria plenitude, Sua própria santidade.

Foi assim que o Pai, cheio de imenso amor, enviou-nos Seu Filho único até nós, e este, morto e ressuscitado, infundiu no mais íntimo de nós e de toda a Igreja o Seu Espírito de santidade.
Eis, quanta misericórdia: Deus, o único Santo, nos santifica pelo Filho no Espírito: "Vede que grande presente de amor o Pai nos deu: sermos chamados filhos de Deus! E nós o somos!"
É isto a santidade para nós: participar da Vida do próprio Deus, sermos separados, consagrados por Ele e para Ele desde o nosso Batismo, para vivermos Sua própria Vida, Vida de filhos no Filho Jesus! É assim que todo cristão é um santificado, um separado para Deus.

Mas, esta santidade que já possuímos deve, contudo, aparecer no nosso modo de viver, nas nossas ações e atitudes. E o modelo de toda santidade é Jesus, o Bem-aventurado. Ele, o Filho, foi totalmente aberto para o Pai no Espírito Santo e, por isso, foi totalmente pobre, totalmente manso, totalmente puro e abandonado a Deus no pranto, na fome de justiça e na misericórdia. Então, ser santo, é ser como Jesus, deixando-se guiar e transformar pelo Seu Espírito santificador em direção ao Pai.

Esta santidade é um processo que dura a vida toda e somente será pleno na Glória. São João nos fala disso na segunda leitura de hoje: "Quando Cristo Se manifestar, seremos semelhantes a Ele, porque O veremos tal como Ele é".

Nesta perspectiva, podemos contemplar a estupenda leitura do Apocalipse que escutamos como primeira leitura. O que se vê aí? Uma multidão. Primeiro, cento e quarenta e quatro mil de todas as tribos de Israel. Isto simboliza Israel, isto é o Novo Israel, a Igreja de Cristo nosso Senhor que caminha neste mundo, que combate pelo Nome de Cristo, que espera a Glória do Céu! Estes 144.000 somos nós, de todos os tempos, os santos da terra!
Recordemos: 12 é o número do Povo de Deus. Pois bem, cento e quarenta e quatro mil equivale a 12 x 12 x 1000, isto é, à totalidade de Israel, à totalidade da Igreja, nossa Mãe católica. Deus não Se cansa nunca de chamar o povo Seus eleitos: Ele deseja que todos sejam salvos pelo sangue de Cristo.

Mas, há ainda mais: "Depois disso, vi uma multidão imensa de gente de todas as nações, tribos, povos e línguas, e que ninguém podia contar. Estavam de pé diante do trono e do Cordeiro".
Essa multidão são todos os povos da terra, chamados por Cristo, na Igreja, para a salvação, para a santificação que Deus nos oferece e, agora, já gloriosos no Céu! Os cento e quarenta e quatro mil da terra tornam-se, no Céu, uma multidão!
Notemos bem: "uma multidão que ninguém podia contar". A salvação é para todos, a santidade não é para um grupinho de eleitos, para uma elite espiritual. Todos são chamados a essa vida divina que Deus quer partilhar conosco, todos são chamados à santidade!

"Trajavam vestes brancas e traziam palmas nas mãos. São os que vieram da grande tribulação e lavaram e alvejaram suas vestes no sangue do Cordeiro". Eis quem são os santos: aqueles que atravessaram as lutas desta vida, as tribulações desta nossa pobre existência, unidos a Cristo; são os que venceram em Cristo – por isso trazem a palma da vitória; são os que não tiveram medo de viver e, se caíram, se erraram, foram, humildemente, lavando e alvejando suas vestes no sangue precioso de Cristo: são santos não com sua própria santidade, mas com a santidade do Cristo-Deus.

Nunca esqueçamos: ninguém é santo com suas forças, ninguém é santo por sua própria santidade: só em Cristo somos santificados, pois somente Cristo derrama sobre nós o Espírito de santidade. O nosso único trabalho é lutar para acolher esse Espírito, deixando-nos guiar por ele e por ele sermos transfigurados em Cristo!

Olhemos para o Céu: lá estão Pedro e Paulo, lá estão os Doze, lá estão os mártires de Cristo, os santos pastores e doutores, lá estão as santas virgens e os santos homens, lá estão tantos e tantos – uns, conhecidos e reconhecidos pela Igreja publicamente, outros, cujo nome somente Deus conhece; lá está a Santíssima e Bem-aventurada sempre Virgem Maria, Mãe e discípula perfeita do Cristo, toda plena do Espírito, toda obediente ao Pai. Eles chegaram lá, eles intercedem por nós, eles são nossos modelos, eles nos esperam.

Num mundo que vive estressado, que corre sem saber para onde... num mundo que já não crê nos verdadeiros valores, porque já não crê em Deus, contemplar hoje todos os santos é recordar para onde vamos e qual é o sentido da nossa vida!

Não tenhamos medo de ser de Deus, não tenhamos medo de testemunhar o Evangelho, não tenhamos medo de alimentar nossa visa com o Cristo, na Sua Palavra e na Sua Eucaristia para sermos inebriados da Vida do próprio Deus.
Infelizmente, muitos hoje têm como heróis os atletas, os atores, os cantores e tantos outros que não têm muito e até nada para ensinar. Quanto a nós, que nossos heróis e modelos sejam os santos e santas de Cristo, que foram heróis porque se venceram e correram para o Cristo! Que eles roguem por nós, pois o que eles foram, nós somos e o que eles são, todos nós somos chamados a ser.


Todos os Santos e Santas de Deus, rogai por nós!